O Grande Atrator (1 de novembro de 1832)
Sobre uma entrada do diário de Charles Darwin, aranhas que voam e uma anomalia gravitacional maior que a compreensão humana
o céu estava limpo na América do Sul
poucas nuvens rolavam sobre o mar calmo
uma leve brisa soprava quente
no convés, Charles Darwin percebeu:
o ar se enchia de tufos de aranha
milhares de pequenas aranhas vermelhas
aranhas aeronautas, voando em bando
é isso aí, as aranhas chegaram voando!
contou assombrado ao capitão FitzRoy
e anotou em seu diário o fenômeno:
“elas voaram sessenta milhas náuticas
da costa ao barco no oceano”
anos depois, desvendaram a causa
de tais expedições aéreas, balonismo
aracnídeo: se espalhar e sobreviver
para isso algumas aranhas soltam
num ato doidivanas de coragem
uma vela triangular de fio de seda
o vento as sopra longe em vôos de até
cinco quilômetros de altura, sem plano
há registros de quem cruze oceanos
continentes, só se deixando levar
a aranha precisa ter ambição
certo talento para a esperança
recompensa por se jogar ao éter
em nomadismo cego, sem juízo
ela pode cair em qualquer lugar
como nos potes de vidro de Darwin
guardados em seu pequeno camarote
dividido com o Capitão Fitzroy
sobre uma escrivaninha de mogno
à luz de uma lanterna de querosene
o que nenhuma das aranhas teria como saber
nos aposentos do Beagle naquela tarde
(e nem mesmo Darwin e seu Capitão
ignorantes de tais cósmicos desígnios)
é que o mundo inteiro navega, sem velas, numa seta
a 600 quilômetros por segundo, não por hora!
em direção a teia escura do Grande Atrator
não só o mundo, mas todo o balão da Via Láctea
rumo ao abismo entre Hydra e Centauro
anomalia celestial a 200 milhões de anos-luz
estrelas, silêncio e gravidade no peito do céu
num movimento que não percebemos
mais rápido e invisível que a imaginação
pois tudo o que se move é tudo o que vemos